Exemplo: está uma pessoa na rua muito descuidada; chegam dez bem armados e dão-lhe uma sova de pau; ele desembainha a espada e faz o seu dever; mas opõe-se-lhe a multidão dos seus adversários, e não o deixa executar a sua intenção, que é de se vingar; fica esse homem, portanto, agravado, mas não afrontado. Outro exemplo: está um homem de costas voltadas; chega outro, dá-lhe duas pauladas e foge; o primeiro segue-o mas o não alcança; o que foi espancado recebeu agravo, mas não afronta, porque a afronta precisa de ser sustentada. Se o que deu as pauladas, ainda que as desse por traição, metesse depois mão à espada e parasse para fazer frente ao seu inimigo, ficaria o outro juntamente agravado e afrontado; e assim, segundo as leis do maldito duelo, o agravo não é necessariamente a afronta, porque nem as crianças, nem as mulheres, nem os sacerdotes, podem sustentar qualquer agravo que fizerem; carecem de armas ofensivas e defensivas; por todas essas razões não posso sentir nem sinto as injúrias que aquele bom homem me disse; só quereria que ele tivesse esperado um pouco, para eu lhe fazer perceber o erro em que está, pensando e dizendo que não houve nem há no mundo cavaleiros andantes; que, se tal ouvisse Amadis, ou qualquer dos infinitos da sua linhagem, não iria o caso bem para Sua Mercê.
— Essa lhe juro eu — acudiu Sancho; — tinham-lhe dado tanta cutilada, que o abriam de meio a meio como um melão bem maduro; eles eram lá gente que sofresse essas coisas! Eu cá por mim tenho por certo que, se Reinaldo de Montalvão tivesse ouvido semelhantes razões a este homenzito, arrumava-lhe tamanho lembrete, que ele não tornava a falar estes três anos mais chegados; e senão, metesse-se com eles e veria como lhe saía das mãos.
Morria de riso a duquesa, ouvindo as falas de Sancho, e tinha-o na sua opinião por mais divertido e mais insensato que seu amo; e houve muitos nesse tempo que foram do mesmo parecer.