A Utopia - Cap. 3: Capítulo 3 Pág. 87 / 133

cão correr atrás duma lebre do que em vê-lo correr atrás de outro cão? Se é na corrida que consiste o prazer, ela existe em ambos os casos. Não será antes a expectativa da matança e a esperança de ver rasgar em pedaços o animal que provoca o prazer? Deveria antes a piedade comover-vos, ao ver uma lebre inocente, fraca e tímida, ser morta por um animal mais forte, mais cruel, e mais impiedoso, o cão. Por isso, os Utopianos entregam aos escravos a tarefa da caça e o ofício de magarefe, que consideram impróprios e indignos de homens livres. Têm a caça como a parte mais vil, mais abjecta, da arte de matar animais, considerando as outras tarefas mais úteis e honestas, pois, enquanto o caçador procura o prazer de matar e destruir os pobres e infelizes bichos, o magarefe mata unicamente por necessidade. Pensam ainda que esse gosto em ver a morte só surge nos homens brutais, quer por doença dos espíritos, ou por hábito continuado da crueldade, devido ao longo uso de tão bárbaro prazer.

Estes modos de proceder e outros semelhantes, em número quase incontável, que o vulgo considera prazeres, os Utopianos, não os tomando como prazeres naturais, decretaram que eles nada têm de comum com o prazer verdadeiro. Embora aqueles prazeres deliciem os sentidos, no que se parecem com o verdadeiro prazer, este facto não os faz mudar de opinião. Não é a natureza do objecto, mas o hábito depravado do indivíduo que lhes faz achar doce o que é amargo ou azedo. Os Utopianos distinguem diversas espécies de prazeres, uns referidos ao espírito e outros ao corpo. Incluem nos prazeres do espírito a inteligência e a alegria que advém da contemplação da verdade. Juntam-lhes também a recordação agradável de uma vida vivida na virtude.

Os do corpo dividem-nos em duas espécies: a primeira, quando o prazer é sentido e efectivamente percepcionado. A segunda,





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