Sobre a alma e nossas ignorâncias
Fundado nos conhecimentos adquiridos, nos temos atrevido a questionar se a alma se criou antes que nós, se chega do nada a introduzir-se em nosso corpo, a que idade vem colocar-se entre uma bexiga e os intestinos, se ali recebe o aporte algumas ideias, e que ideias são estas; se depois de animar-nos alguns momentos, sua essência, logo que o corpo morre, vive na eternidade; se sendo espírito, o mesmo que Deus, é diferente deste ou é semelhante. Essas questões que parecem sublimes, como dizemos, são as questões que entabulam os cegos de nascimento respeito da luz.
O que nos tem ensinado os filósofos antigos e os modernos? Nos tem ensinado que uma criança é mais sábia que eles, porque este só pensa não que pode conseguir. Até agora a natureza dos primeiros princípios é um segredo do Criador.
Em que consiste que os ares arrastam os sons? Como é que alguns de nossos membros obedecem constantemente a nossa vontade? Que ma é a que coloca as ideias na memória, as conserva ali como em um registro e as saca quando queremos e também quando não queremos? Nossa natureza, a do universo e a das plantas, estão escondidas em um abismo de trevas. O homem é um ser que obra, que sente e pensa: é isso o todo que sabemos; porém ignoramos o que nos faz pensar, sentir e obrar. A faculdade de obrar é tão incompreensível para nós como a faculdade de pensar. É menos difícil conceber que o corpo de barro tenha sentimentos e ideias que conceber que um ser tenha ideias e sentimentos.