Era o covil de um ónagro: a fera deu um gemido e, deixando as suas crias, estendeu-se no chão e abaixou a cabeça, como quem suplicava.
- A ela! ¬ gritou Argimiro; mas gritou voltando a cara.
A matilha saltou no pobre animal, que soltou outro gemido e caiu todo ensanguentado.
Uma voz soou então nos ouvidos do conde, e dizia:
- Órfãos ficaram os cachorrinhos do ónagro: mas pelo ónagro tu ficarás desonrado.
- Quem ousa aqui falar agouros? ¬ gritou o rico-homem, olhando iroso para os monteiros. Todos guardavam silêncio; mas todos estavam pálidos.
Argimiro pensou um momento; depois, saindo da cova, murmurou:
- Vá, com mil satanases!
E, com alegres toques de buzina e latidos da matilha fez conduzir ao castelo a preia que tinha preado.
E, tomando o seu gerifalte prima em punho, ordenou aos monteiros fossem dizer aos nobres caçadores que dentro de duas horas voltassem, porque achariam em seu paço comida bem aparelhada.
Depois, seguido dos falcoeiros, começou a encaminhar-se para o solar, lançando nebris e falcões e ajuntando caça de volataria, que a havia por aqueles montes mui basta.
IV
Dobrava a campa da torre de menagem no castelo do conde Argimiro: dobrava pela linda condessa, que seu nobre marido havia matado.
Andas cobertas de dó a levam a enterrar ao mosteiro vizinho: os frades vão atrás das andas, cantando as orações dos finados; após os frades, vai o rico-homem vestido de grossa estamenha, cingido com uma corda, e rasgando pelas sarças e pedras os pés que leva descalços.
Porque matou ele sua mulher, e porque ia ele descalço?
Eis o que, a esse respeito, refere a lenda escrita na folha branca do santoral.
V
Dois anos duraram guerras de el-rei Vamba: foram guerras mui de contar.