A Dama Pé-de-Cabra - Cap. 2: Trova Segunda Pág. 9 / 27

.. Escuta-me, que é um horrendo caso...

O velho não ode acabar; porque a morte lhe cravou neste momento as garras. Murmurou algumas palavras emperradas, revirou os olhos e feneceu. Deus seja com a sua alma!

Passaram depois anos: certo dia chegou ao castelo do moço um mensageiro de el-rei Vamba. Chamava-o el-rei a Toledo para o acompanhar com sua mesnada contra o rebelde Paulo. Os outros nobres-homens das cercanias eram, como ele, chamados.

Antes, porém, de partirem, ajuntaram-se todos no castelo de Argimiro para fazerem uma grande montaria, com mais de cem alãos, sabujos e lebréus, cinquenta monteiros e moços de besta sem conto. Era uma vistosa caçada.

Saíram no quarto de alva: correram vales e montes; bateram bosques e matos. Era, contudo, meio-dia e ainda não haviam alevantado porco, urso, zebra ou veado. Blasfemavam de sanha os cavaleiros, praguejavam e depenavam as barbas.

Argimiro, que, por longa experiência, conhecia os sítios mais profundos da espessura, sentiu lá por dentro uma tentação do diabo.

"Os meus hóspedes ¬ pensava ele ¬ não partirão sem beberem alguns cantijões de vinho sobre uma ou duas peças de caça. Juro-o por alma de meu pai."

E, seguido de alguns monteiros, com suas trelas de cães, afastou-se da companhia e deu a andar, a andar, até que se lançou por um vale abaixo.

O vale era escuro e triste: corria pelo meio uma ribeira fria e mal-assombrada. As bordas da ribeira eram penhascosas e faziam muitas quebradas.

Argimiro chegou à primeira volta do rio; parou, pôs-se a olhar de roda e achou o que procurava. Abria-se uma caverna na encosta fragosa, que descia até a estreira senda da margem por onde o cavaleiro caminhava. Argimiro entrou na boca da cova e, a um aceno, entraram após ele monteiros, moços de bésta, alãos, sabujos e lebréus, fazendo grande matinada.





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