A Dama Pé-de-Cabra - Cap. 2: Trova Segunda Pág. 8 / 27

O bom do abade amimou-o, como uma criança; consolou-o, como a um mal-aventurado. Depois pôs-se a contar a história da dama das penhas, que é minha mãe... Deus me salve!

E deu-lhe por penitência ir guerrear os perros sarracenos por tantos anos quantos vivera em pecado, matando tantos deles quantos dias nesses anos tinham corrido. Na conta não entravam as sextas-feiras, dia da paixão de Cristo, em que seria irreverência trosquiar a vil ralé de agarenos, coisa neste mundo mui indecente e escusada. Ora a história da formosa dama das serras de verbo ad verbum, como estava na folha branca do santoral, rezava assim, segundo lembranças do abade:

III

No tempo dos reis godos ¬ bom tempo era esse! ¬ havia em Biscaia um conde, senhor de um castelo posto em montanha fragosa, cercado pelas encostas e quebradas de larguíssimo soveral. No soveral havia todo o género de caça, e Argemiro o Negro (assim se chamava o rico-homem) gostava, como todos os nobres barões de Espanha, principalmente de três coisas boas segundo a carnalidade: da guerra, do vinho e das damas; mas ainda mais do que tudo isso, gostava de montear.

Dama, possuía-a formosa, que era a linda condessa; vinho não havia melhor adega que a sua; caça, era coisa que na selva não faltava.

Seu pai, que fora caçador e fragueiro, quando estava para morrer, chamou-o e disse-lhe:

- Hás-me-de jurar uma coisa que não te custará nada.

Argimiro jurou que faria o que seu pai e senhor lhe ordenasse.

- É que nunca mates fera em cama e com cria, seja urso, javali ou veado. Se assim o fizeres, Argimiro, nunca nas tua selvas e devesas faltará em que exercites o mais nobre mister de um fidalgo. Além disso, se tu souberas o que um dia me aconteceu.





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