Isaura tornou-se imediatamente, não direi a mucama favorita, mas a fiel companheira, a amiga de Malvina que, afeita aos prazeres e passatempos da corte, muito folgou de encontrar tão boa e amável companhia na solidão que ia habitar.
- Por que razão não libertam esta menina? - dizia ela um dia à sua sogra. - Uma tão boa e interessante criatura não nasceu para ser escrava.
- Tem razão, minha filha, - respondeu bondosamente a velha; - mas que quer você?... não tenho ânimo de soltar este passarinho que o céu me deu para me consolar e tornar mais suportáveis as pesadas e compridas horas da velhice. E também libertá-la para quê? Ela aqui é livre, mais livre do que eu mesma, coitada de mim, que já não tenho gostos na vida nem forças para gozar da liberdade. Quer que eu solte a minha patativa? e se ela transviar-se por aí, e nunca mais acertar com a porta da gaiola?... Não, não, minha filha; enquanto eu for viva, quero tê-la sempre bem pertinho de mim, quero que seja minha, e minha só. Você há-de estar dizendo lá consigo - forte egoísmo de velha! - mas também eu já poucos dias terei de vida; o sacrifício não será grande. Por minha morte ficará livre, e eu terei o cuidado de deixar-lhe um bom legado.
De feito, a boa velha tentou por diversas vezes escrever seu testamento a fim de garantir o futuro de sua escravinha, de sua querida pupila; mas o comendador, auxiliado por seu filho com delongas e fúteis pretextos, conseguia ir sempre adiando a satisfação do louvável e santo desejo de sua esposa, até o dia em que, fulminada por um ataque de paralisia geral, ela sucumbiu em poucas horas sem ter tido um só momento de lucidez e reanimação para expressar sua última vontade.
Malvina jurou sobre o cadáver de sua sogra continuar para com a infeliz escrava a mesma proteção e solicitude que a defunta lhe havia prodigalizado. Isaura pranteou por muito tempo a morte daquela que havia sido para ela mãe desvelada e carinhosa; e continuou a ser escrava não já de uma boa e virtuosa senhora, mas de senhores caprichosos, devassos e cruéis.