Quando esta, depois de deixar passar alguns dias em respeito à dor de que julgava seu marido acabrunhado, lhe tocou naquele melindroso negócio:
- Temos tempo, Malvina, - respondeu-lhe o marido com toda a calma. - É-me preciso em primeiro lugar dar balanço e fazer o inventário da casa de meu pai. Tenho de ir à corte arrecadar os seus papéis e tomar conhecimento do estado de seus negócios. Na volta e com mais vagar trataremos de Isaura. Ao ouvir esta resposta o rosto de Malvina cobriu-se de palidez mortal; ela sentiu esfriar-lhe o coração apertado entre as mãos geladas do mais pungente dissabor, como se ali se esmoronasse de repente todo o sonhado castelo de suas aventuras conjugais. Ela esperava que o marido fulminado por tão doloroso golpe naqueles dias de amarga meditação e abatimento, retraindo-se no santuário da consciência, reconhecesse seus erros e desvarios, implorasse o perdão deles, e se propusesse a entrar nas sendas do dever e da honestidade. As frias desculpas e fúteis evasivas do marido vieram submergi-la de chofre no mais amargo e profundo desalento.
- Como?! - exclamou ela com um acento que exprimia a um tempo altiva indignação e o mais entranhado desgosto. - Pois ainda hesitas em cumprir tão sagrado dever?... se tivesses alma, Leôncio, terias considerado Isaura como tua irmã, pois bem sabes que tua mãe a amava e idolatrava como a uma filha querida, e que era seu mais ardente desejo libertá-la por sua morte e deixar-lhe um legado considerável, que lhe assegurasse o futuro. Sabes também que teu pai havia feito promessa solene ao pai de Isaura de dar-lhe alforria pela quantia de dez contos de réis, e Miguel já te veio pôr nas mãos essa exorbitante quantia.