Entretanto, essa indiferença de Leôncio nada tinha de natural e sincera; não que ele sentisse pesar algum pela brusca partida de sua mulher; pelo contrário, era júbilo, que sentia com a realização daquela caprichosa resolução de Malvina, que assim lhe abandonava o campo inteiramente livre de embaraços, para prosseguir em seus nefandos projetos sobre a infeliz Isaura. Com aquele fingido pouco-caso, conseguia disfarçar o prazer e satisfação, em que lhe transbordava o coração; e como era aforismo adotado e sempre posto em prática por ele, posto que em circunstâncias menos graves, - que contra as cóleras e caprichos femininos não há arma mais poderosa do que muito sangue-frio e pouco-caso, Malvina não pôde descobrir no fundo daquela afetada indiferença o júbilo intenso em que nadava a alma de seu marido.
O que era feito porém da nobre e infeliz Isaura durante esses longos dias de luto, de consternação, de ansiedade e dissabores?
Desde que ouviu a leitura da carta, em que se noticiava a morte do comendador, Isaura perdeu todas as lisonjeiras esperanças que um momento antes Miguel fizera desabrochar em seu coração. Transida de horror, compreendeu que um destino implacável a entregava vítima indefesa entre as mãos de seu tenaz e desalmado perseguidor. Sabedora da miseranda sorte de sua mãe, não encontrava em sua imaginação abalada outro remédio a tão cruel situação senão resignar-se e preparar-se para o mais atroz dos martírios. Um cruel desalento, um pavor mortal apoderou-se de seu espírito, e a infeliz, pálida, desfeita, e como que alucinada, ora vagava à toa pelos campos, ora escondida nas mais espessas moitas do pomar, ou nos mais sombrios recantos das alcovas, passava horas e horas entre sustos e angústias, como a tímida lebre, que vê pairando no céu a asa sinistra do gavião de garras sangrentas. Quem poderia ampará-la?