Uma escrava fugida apresentar-se em um baile, e apavonar-se em seu braço à face da mais brilhante e distinta classe de uma importante capital!... era pagar com a mais feia ingratidão e a mais degradante deslealdade os serviços, que com tanta delicadeza e amabilidade lhe havia prestado. Isto repugnava absolutamente aos escrúpulos da melindrosa consciência de Isaura. É verdade que Miguel, aterrado pelas considerações que Álvaro lhe fizera, viu-se forçado a anuir ao seu gracioso convite; Isaura porém guardara absoluto silêncio, o que ambos tomaram por um sinal de aquiescência. Enganavam-se. Isaura recolhida ao silêncio não fazia mais do que tentar esforços supremos para sacudir o fardo daquele disfarce, que tanto lhe pesava sobre a consciência, rasgando resolutamente o véu que encobria aos olhos do amante sua verdadeira condição. Por mais, porém, que invocasse toda a sua energia e resolução, no momento decisivo a coragem a abandonava. Já a palavra lhe pairava pelos lábios entreabertos, já tinha o passo formado para ir prostrar-se aos pés de Álvaro, mas encontrando pousado sobre ela o olhar meigo e apaixonado do mancebo, ficava como que fascinada; a palavra não ousava romper os lábios paralisados e refluía ao coração, e os pés recusavam-se ao movimento como se estivessem pregados no chão. Isaura estava como o desgraçado a quem circunstâncias fatais arrastam ao suicídio, mas que ao chegar à borda do precipício medonho em que deseja arrojar-se, recua espavorido.
- Fraca e covarde criatura que eu sou! - pensou ela por fim esmorecida: - que miséria! nem tenho coragem para cumprir um dever! não importa; para tudo há remédio; cumpre que ele ouça da boca de meu pai, o que eu não tenho ânimo de dizer-lhe. Esta ideia luziu-lhe no espírito como uma tábua salvadora; agarrou-se a ela com sofreguidão, e antes que de novo lhe fraqueasse o ânimo, tratou de pô-la em execução.