- “Não é que lhe tínhamos rezado por alma, e nunca deixámos de pronunciar o seu nome em saudosas lágrimas.”
- “Como tendes vivido?” - perguntou o visconde.
- “Pobre, mas honradamente” - respondeu Josefa, dando-se uns ares austeros, e pondo os olhos em branco, como quem invoca o céu por testemunha.
- “Ainda bem!” - tornou o visconde - “mas que modo de vida tem sido o vosso?”
- “O trabalho, meu querido António, o trabalho de nossa filha tem sido o amparo da sua honra e da minha velhice. Tu abandonastes-nos com tamanha crueldade!... Que mal te fizemos nós?”
- “Nenhum, mas não vos disse eu que vos considerava mortas?” - respondeu o visconde a sua mulher, que tivera a habilidade de arrancara duas volumosas lágrimas, tanto a propósito.
- “O passado, passado” ¬ disse Laura, afagando carinhosamente as mãos paternas, e dando-se uns ares de inocência capazes de iludir S. Simão Estilista. - “Quer o pai saber” (prosseguiu ela com sentimento) “qual tem sido a minha vida? Olhe, meu pai, não se envergonhe da posição social em que encontra sua filha... Tenho sido modista, tenho trabalhado incessantemente... Tenho lutado com as tentações da penúria, e tenho feito consistir em minhas lágrimas o meu triunfo...”
- “Bem, minha filha” - interrompeu o visconde com sincera contrição ¬ “esqueçamos o passado... De hora em diante será a abundância o prémio da tua virtude... Ora diz-me: o mundo sabe que tu és minha filha?... Disseste a alguém que era teu marido, Josefa?”
- “Não, meu pai.” - “Não, meu Antoninho.” ¬ responderam ambas, como se tivessem previsto e calculado as perguntas e as respostas.
- “Pois bem,” - continuou o visconde - “vamos a conciliar com o mundo as nossas posições presentes, passadas e futuras. De hora avante, Laura, és minha filha, és filha do visconde do Prado, e não podes chamar-te Laura.