Durante todo este tempo, contudo, a minha boa ama, a esposa do prefeito e as outras pessoas interpretavam mal os meus desejos; a palavra fidalga significava para elas uma coisa e para mim outra bem diferente. Ai de mim, pois considerava ser fidalga poder trabalhar para mim própria e ganhar o suficiente para me manter sem o terrível papão de ir servir, enquanto para elas era viver com estatuto, riqueza, importância e não sei que mais.
Depois de a esposa do prefeito sair, vieram as filhas e perguntaram também pela fidalga. Conversaram muito tempo comigo e respondi-lhes sempre com a minha inocência, mas, todas as vezes que me perguntavam se estava resolvida a ser fidalga, afirmava-lhes que sim. Por fim, uma delas perguntou-me o que era uma fidalga, pergunta que me intrigou bastante. Expliquei-me negativamente, isto é, disse-lhe que ser fidalga era não ir servir, não fazer trabalhos de casa. Ficaram contentes por me terem conhecido e, ao que parece, gostaram da minha tagarelice, pois também me deram dinheiro.
Entreguei tudo à minha professora-ama, como lhe chamava, e reafirmei-lhe que lhe daria, como fazia agora, tudo quanto ganhasse quando fosse fidalga. O meu gesto e as minhas palavras permitiram à minha velha tutora começar a compreender o que eu entendia por ser fidalga, e que era, afinal, apenas a possibilidade de ganhar o pão com o meu trabalho. Perguntou-me, por fim, se não era isso e respondi-lhe que sim, acrescentando: «Fulana» - nomeei certa mulher que fazia renda e lavava os toucados de renda das senhoras - «é uma fidalga e tratam-na por senhora»
- Pobre criança! - redarguiu a minha boa ama. - Podes vir a ser uma «fidalga» dessas, pois ela é uma pessoa de má fama e já teve dois ou três bastardos.
Não percebi o que queria dizer, mas teimei:
- Tenho a certeza de que lhe chamam senhora e ela não anda a servir nem faz trabalhos de casa.
