Era, portanto, uma fidalga, insisti, e eu seria fidalga como ela.
A minha ama contou outra vez tudo às senhoras, que se riram muito, e de vez em quando as filhas do senhor prefeito iam visitar-me e perguntavam onde estava a fidalguinha, o que muito me envaidecia.
Este estado de coisas prolongou-se; as meninas visitavam-me frequentemente, levando às vezes amigas com elas, de maneira que na cidade quase todos me conheciam.
Tinha agora cerca de 10 anos e começava a parecer um pouco senhoril, pois era muito grave e humilde, muito delicada, ouvindo muitas vezes as senhoras dizerem que era bonita e havia de ser uma mulher muito bela, palavras que, podeis crer, me enchiam de orgulho. No entanto, esse orgulho não exercia ainda maus efeitos em mim. Como era frequente darem-me dinheiro, entregava-o à minha velha ama e ela, honestamente, gastava-o todo comigo, comprando-me toucados, roupas brancas, luvas e fitas, que me permitiam andar muito limpa e arranjada - embora deva dizer que limpa andaria sempre, ainda que vestisse farrapos, pois passaria a vida a lavá-los. Mas, repito, a minha boa ama aplicava em mim própria o que me davam e dizia às senhoras que isto ou aquilo fora comprado com o seu dinheiro, do que resultava, amiúde, darem-me mais. Entretanto, tornara-me, porém, uma boa operária e as senhoras eram tão generosas comigo que não restavam dúvidas de que podia manter-me, isto é, de que podia ganhar o que a minha ama considerava suficiente para prover às minhas necessidades. Esta disse-lhes, por isso, que, se lhe dessem licença, conservaria consigo a fidalga, como me chamava, para a ajudar a ensinar as crianças, trabalho para que tinha muito jeito, pois era muito desembaraçada e tinha boas mãos para a costura, apesar dos meus poucos anos.
