- Passarei sem ela - decidi, inocentemente. - Deixe-me só viver consigo.
- O quê, poderás viver sem comer?
- Poderei - afirmei como criança que era e sempre a chorar desesperadamente.
Não havia astúcia nenhuma da minha parte, era tudo natural, como compreendereis; mas falava com tanta inocência e tanto ardor que a boa e maternal criatura começou também a chorar tão sentidamente como eu, me pegou e levou para fora da sala.
- Não irás servir - prometeu-me. - Viverás comigo. - E esta pro- messa acalmou-me naquele momento.
Algum tempo depois, ao visitar o prefeito e ao falar-lhe de assuntos do seu trabalho, a minha boa ama referiu a minha história. O prefeito achou tanta graça que chamou a esposa e as duas filhas para a ouvirem e, podeis crer, todos riram muito.
Eis senão quando, não passara ainda uma semana, a esposa do prefeito e as duas filhas aparecerem de surpresa em nossa casa, para visitarem a minha velha ama, a sua escola e as crianças. Passado um instante, a esposa do prefeito perguntou à minha ama:
- Diga-nos, Mrs... , qual das pequenitas quer ser fidalga?
Ao ouvi-la fiquei assustadíssima, embora não soubesse porquê, mas a esposa do prefeito aproximou-se de mim e perguntou-me:
- Diga-me cá, menina, em que está a trabalhar?
A palavra menina era tão rara na escola que perguntei a mim mesma que feio nome me chamara. Levantei-me, porém, e fiz uma vénia, e ela tirou-me o trabalho das mãos, observou-o e disse que estava muito bem. Depois pegou-me numa das mãos e declarou:
- Quem sabe se a pequena não virá mesmo a ser fidalga! Tem mãos de fidalga.
Senti-me satisfeitíssima, garanto-vos, mas a esposa do prefeito não ficou por aí. Devolveu-me a costura, deu-me um xelim e recomendou-me que prestasse atenção ao trabalho e aprendesse muito bem, pois podia, de facto, vir a ser fidalga.
