Talvez esperásseis que eu desse alguns pormenores da natureza das prá- ticas perversas desta mulher, em cujas mãos caíra, mas seria encorajar demasiado o vício divulgar ao mundo a facilidade com que ali se libertavam as mulheres do fardo indesejado de um filho clandestinamente concebido. A grave matrona em quem confiara tinha vários comércios, entre eles o seguinte: se nascia uma criança, mesmo fora da sua casa (pois era chama- da a muitos partos particulares), tinha pessoas que, por uma certa quantia, livravam a mãe do filho, e a paróquia também, e essas crianças eram, como ela dizia, honestamente recolhidas e cuidadas. Não faço a mínima ideia do que acontecia a todas elas, pois, segundo afirmava, eram muitas.
Discutimos muitas vezes este assunto, mas ela argumentava que salvara a vida de muitos inocentinhos, como lhes chamava, os quais, a não ser assim, teriam talvez sido assassinados, e igualmente salvara a vida de mui- tas mulheres que, desesperadas pelo infortúnio, se teriam, de outro modo, sentido tentadas a destruir os filhos e pereceriam, por isso, na forca. Concordei que era verdade e que a sua acção seria deveras meritória se, depois, as pobres crianças caíssem em boas mãos e não fossem maltratadas, mal alimentadas e negligenciadas pelas amas que as criavam. Replicava-me que tinha sempre essa possibilidade em conta e que só lidava com amas boas e honestas, nas quais se podia confiar.
Como não podia desmenti-la, disse-lhe apenas:
- Não duvido de que a sua parte da transacção seja efectuada honestamente, mas que farão depois essas pessoas que ficam com os inocentes?
Calou-me de novo a boca, afirmando que tinha o máximo cuidado a esse respeito.
A única coisa que me desagradou em todas as nossas conversas acerca de tais assuntos foi que, ao falarmos certa vez na data provável do meu parto, me deu a entender que podia libertar-me mais cedo do meu fardo, se eu quisesse, ou, por palavras claras, que me daria qualquer coisa que provocaria um aborto, se me interessasse livrar-me assim das minhas dificuldades.
