A Vida Amorosa de Moll Flanders - Cap. 2: A vida amorosa de Moll Flanders Pág. 202 / 359

Mais calma, deitei-me, mas dormi pouco. O horror da minha acção não dava tréguas ao meu espírito e não sei o que disse ou fiz durante toda a noite e todo o dia seguinte. Depois senti-me impaciente por saber notícias acerca do roubo e imaginava a quem pertenceriam os artigos roubados, se a algum pobre, se a algum rico. «Talvez», pensava para comigo, «fossem de alguma pobre viúva como eu, que embrulhara tudo a fim de o vender e poder comprar pão para si e para um filhinho, uma pobre viúva e uma criancinha que sentem fome neste momento e cujo coração se despedaça por falta do pouco que teriam obtido.» Este pensamento atormentou-me mais do que todos os outros, durante três ou quatro dias.

Mas as minhas próprias inquietações serenaram esses rebates de consciência e a perspectiva de passar fome, que cada dia se tornava mais assustadora, endureceu-me a pouco e pouco o coração. Doía-me, sobretudo, pensar que me corrigira e que, como supunha, me arrependera de todos os pecados passados; durante vários anos vivera uma vida séria, grave e recatada e, agora, a implacável necessidade da minha situação impeliria de novo para a ruína e para a desgraça a minha alma e o meu corpo. Caí de joelhos, duas ou três vezes, e roguei a Deus, o melhor que pude, que me salvasse, mas confesso que não havia esperança nas minhas súplicas. Não sabia que fazer, vivia num pesadelo de medo e de trevas e receava não me ter arrependido do passado tão sinceramente como supunha e que o Céu começasse a castigar-me ainda em vida e me tornasse tão desgraçada quanto fora pecadora.

Se tivesse continuado a pensar assim, talvez viesse a ser uma penitente sincera, mas tinha dentro de mim um mau conselheiro, que continua- mente me incitava a resolver a situação pelos piores meios.





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