A pobreza, como disse, endurecia-me o coração e as minhas próprias necessidades sobrepunham-se a tudo o mais. Este roubo não me preocupou muito, pois, como não fizera mal nenhum à pequenita, disse para comigo que dera aos pais dela uma lição merecida por permitirem com tal descuido que a pobre inocente regressasse a casa sozinha. De futuro teriam mais cuidado.
O fio de contas de ouro valia umas doze a catorze libras e creio que devia ter sido da mãe da menina, visto ser demasiado grande. Talvez aquela o pusesse na filha por vaidade, para que ela aparecesse toda tafula na escola de dança. A criança saíra, sem dúvida, com alguma criada para olhar por ela, mas a rapariga encontrara-se provavelmente com algum namorado, no caminho, e deixara a pobre criança vaguear até cair nas minhas mãos.
Mas, repito, não fiz mal nenhum à pequenita; não a assustei, sequer, pois conservara ainda alguns bons sentimentos e só fazia aquilo a que a necessidade me impelia.
Depois desta seguiram-se muitas outras aventuras, mas era nova na profissão e não sabia como proceder, a não ser de acordo com as coisas que o Demónio me metia na cabeça - e, verdade seja dita, ele raramente me deixava mal. Uma vez participei numa aventura em que tive muita sorte. Passava pela Lombard Street, ao lusco-fusco, quando, ao fim do Three king Court, passou um indivíduo a correr, rápido como um raio, e atirou um embrulho que levava na mão para trás de mim, no momento em que me encontrava à esquina que virava para o beco. «Deus a abençoe, minha se ahora! Deixe-o ficar aí um bocadinho», disse o homem ao atirar o embrulho, e continuou a correr, célere como o vento. Logo a seguir surgiram outros dois, imediatamente atrás, um rapaz sem chapéu, a gritar «Agarra que é ladrão!», e mais duas ou três pessoas.
