O comerciante concordou, assim como a esposa, e fiquei ilibada, mas, quando ia a sair, o senhor vereador chamou-me e disse:
- Ouça, minha senhora, se tencionava comprar colheres, espero que o meu amigo não perca uma freguesa por causa do engano.
- Com certeza, senhor vereador - respondi, sem hesitar. - Comprar-lhe-ei as colheres se as tiver iguais à amostra que trouxe.
O prateiro mostrou-me várias do mesmo modelo, pesou-as e disse-me que custavam trinta e cinco xelins. Puxei então da bolsa, na qual trazia quase vinte guinéus pois nunca saía sem levar tal importância comigo, prevendo qualquer eventualidade, e várias vezes, além daquela, esse hábito me fora proveitoso.
Quando viu o dinheiro, o senhor vereador declarou:
- Agora estou convencido de que houve engano a seu respeito, minha senhora; foi para adquirir essa certeza que lhe lembrei a compra das colheres e fiquei até concluírem a transacção. Se não tivesse dinheiro para o pagamento, suspeitaria de que não entrara na oficina com a intenção de comprar, pois o tipo de pessoas que têm os intuitos que lhe foram atribuídos raramente se dão ao trabalho de trazer consigo tanto ouro como vejo que traz.
Sorri e disse a sua senhoria que, afinal, devia parte do seu favor ao meu dinheiro, mas que esperava visse também razão na justiça que antes me fizera. Respondeu-me ser assim, de facto, e que a compra das colheres só confirmara a sua opinião e lhe dera a certeza absoluta de ter sido injuriada. Saí, portanto, triunfante de um caso em que estivera à beira da ruína.
Três dias depois, sem que o perigo que correra me tornasse cautelosa, como era costume, e continuando na senda criminosa que seguia havia tanto tempo, arrisquei-me a entrar numa casa cujas portas estavam abertas e onde me apoderei, convencida de que não me viam, de duas peças de seda florida, do género a que chamam seda adamascada, muito rica.
