Numa palavra, modifiquei-me por completo, tornei-me outra pessoa totalmente diferente.
Enquanto me encontrava sob a influência do desgosto que sentia por ele tive conhecimento de que, na próxima reunião do tribunal, seria apre- sentada queixa contra mim ao grande júri e me condenariam com certeza à morte, em Old Baley. Abatida como já estava, a insolente e perversa ousadia do meu espírito enfraqueceu e, consciente de toda a extensão da tragédia, o sentimento de culpa começou a invadir-me a alma - em suma, comecei a pensar, e pensar é, deveras, um passo do Inferno para o Céu. O diabólico endurecimento de alma e temperamento, de que tanto falei, não era mais que ausência de pensamento, e aquele que recupera a faculdade de pensar recupera-se a si mesmo.
Assim que comecei, como disse, a pensar, a primeira coisa que me ocorreu foi a seguinte: «Senhor, que será de mim? Morrerei com certeza! Serei condenada, e depois da condenação não pode haver senão morte! Que farei sem amigos? Serei condenada, meu Deus! Piedade, Senhor, compadecei-vos da minha sorte! Que será de mim?» Tristes pensamentos, direis, para serem os primeiros a ocorrerem à minha alma depois de tanto tempo; e, no entanto, não exprimiam ainda mais que medo, não havia neles uma só palavra de sincero arrependimento. Mas sentia-me tão terrivelmente descoroçoada e desanimada, sentia tanto a falta de um amigo a quem confiar os meus tristes pensamentos, que estes me pesavam na alma como chumbo e tinha desfalecimentos várias vezes ao dia. Mandei chamar a minha velha governanta e ela, justiça lhe seja feita, comportou-se como uma verdadeira amiga e não houve nada que não tentasse para impedir que o grande júri julgasse o meu caso. Procurou um ou dois membros do júri, falou-lhes e fez tudo para os dispor bem a meu favor, baseando-se em que não tirara nada, não arrombara nenhuma porta, etc.
