Os meus sentidos, a minha razão, a minha consciência, até, dormiam. Havia quarenta anos que a minha vida era um horrível enredamento de perversidade, prostituição, adultério, incesto, mentira e roubo; dos 18 anos, aproximadamente, até aos 60 cometera todos os crimes menos o de homicídio e de traição e agora, presa nas malhas do castigo e com a morte ignominiosa à porta, não avaliava a minha situação, os meus pensamentos de Céu e Inferno eram superficiais, como uma sugestão de dor que não ele dissera-me em Chester que o nosso casamento o arruinara e que a sua situação financeira era desesperada, por minha causa, pois, julgando-me rica, contraíra mais dívidas do que poderia pagar e não sabia que fazer. Acrescentara que se alistaria no Exército e empunharia um mosquete ou compraria um cavalo e iria para a estrada, como dizia, e, embora nunca lhe tivesse dito que possuía fortuna, e portanto não o houvesse enganado na verdadeira acepção da palavra, permitira que o pensasse e, por via disso, fora a origem da sua desgraça.
A surpresa da descoberta atingiu-me profundamente e obrigou-me a pensar mais seriamente que antes. Sofria por ele noite e dia, sobretudo por me terem dito ser o chefe do bando e haver cometido tantos assaltos que Hind, Whitney ou Golden Farmer eram patetas comparados consigo. Seria com certeza enforcado, ainda que não houvesse mais homens na terra onde nascera, e não faltaria quem o acusasse.
Sentia-me avassalada de mágoa por ele e, comparado com o seu, o meu caso não me preocupava. Não parava de me recriminar pelo que lhe acontecera e lamentava tanto os seus infortúnios e a sua ruína que nada conseguia já animar-me, como antes, e as primeiras considerações que fizera acerca da vida horrível e detestável que levara voltaram e, com elas, a repugnância pelo lugar onde me encontrava e pela maneira como lá se vivia.
