Afirmei, no entanto, que não roubara nada, que o dono da casa não perdera coisa nenhuma, que vira a porta aberta e entrara, interessada nas mercadorias e com a intenção de as comprar. O facto de não se encontrar ninguém em casa e de lhes ter pegado não provava que tencionasse roubá-las, pois não passara da porta com elas, para as ver a melhor luz.
O tribunal não aceitou de forma nenhuma a explicação e troçou, até, da minha afirmação de que tencionava comprar as sedas, pois não se tratava de uma loja de venda. Quanto a trazê-las até à porta para as ver melhor, as atrevidas raparigas zombaram também dessa desculpa e afirmaram ao tribunal que eu as vira bem e achara muito a meu gosto, pois que as ocultara sob as roupas e ia sair com elas.
Em resumo, consideraram-me culpada de felonia, mas inocente de arrombamento, o que de pouco me valia, pois a primeira acusação chegou para me condenarem à morte e a segunda nada mais podia fazer que isso. No dia seguinte foram novamente buscar-me para ouvir ler a terrível sentença e, quando me perguntaram se tinha alguma coisa a alegar em minha defesa, conservei-me calada durante um longo momento. Mas alguém que se encontrava atrás de mim recomendou-me, em voz alta, que falasse aos juízes, para que pudessem apresentar o meu caso favoravelmente, e isso encorajou-me a falar. Disse-lhes nada ter a dizer para impedir a sentença, mas muito para merecer a misericórdia do tribunal; esperava que, num caso semelhante, tomassem em consideração as circunstâncias do mesmo, dado que não arrombara nenhuma porta, não trouxera nada, ninguém perdera coisa nenhuma, o dono das mercadorias tivera a bondade de declarar que desejava fossem misericordiosos comigo (o que era, de facto, verdade), aquele era, na pior das hipóteses, o meu primeiro crime, e nunca comparecera, antes, perante nenhum tribunal.
