Admirei-me muito de não o ver durante todo o dia seguinte, pois era a véspera da execução, e senti-me desencorajada e triste, desanimada com a falta de consolo que tantas vezes, e com tanto êxito, me proporcionara nas suas visitas. Esperei com grande impaciência e na maior angústia que se possa imaginar, mas cerca das quatro horas apareceu na minha cela (com a ajuda de dinheiro, pois naquela casa nada se conseguia sem ele, obtivera a mercê de não ser metida no covil da morte, como diziam, entre as restantes presas que seriam executadas, e tinha um quartinho imundo só para mim).
O meu coração saltou de alegria quando ouvi a sua voz à porta, antes mesmo de o ver. Imaginai o que a minha alma sentiu quando, depois de uma breve desculpa pela sua ausência, me informou que ocupara o seu tempo em meu favor, obtivera um relatório favorável, a meu respeito, do director para o secretário de Estado e, em resumo, conseguira um adia- mento da execução.
Usou de todas as cautelas de que foi capaz para me comunicar uma coisa que seria duplamente cruel ocultar, mas mesmo assim o choque foi demasiado grande. Do mesmo modo que, antes, a dor me transtornara, a alegria enlouqueceu-me de tal maneira que tive um desfalecimento mais perigoso que os anteriores e só com grande dificuldade me refiz.
O bom homem exortou-me cristãmente a não deixar que a alegria do adiamento me fizesse esquecer o passado remorso e, depois de me dizer que tinha de me deixar para mandar registar a prorrogação nos livros e informar dela os xerifes, levantou-se e orou apaixonadamente a Deus por mim, suplicando-Lhe que o meu arrependimento fosse sincero e absoluto e que o meu regresso à existência, pois de certo modo disso se tratava, não significasse um regresso as loucuras da vida a que eu tão solenemente resolvera renunciar e de que me arrependera.
