Assim me deixou na primeira noite.
Voltou a visitar-me na manhã seguinte e continuou a explicar-me o mistério da misericórdia divina, a qual, segundo ele, nada mais exigia que um desejo sincero de a merecer e aceitar, um remorso e uma repugnância sinceros das coisas que eu fizera e que me haviam tornado objecto da justa vingança divina. Não sei repetir os excelentes discursos deste homem extraordinário; sei apenas dizer que me reanimou o coração e me colocou num estado em que nunca antes me achara. Sentia-me cheia de vergonha e de lágrimas pelos pecados cometidos, mas experimentava ao mesmo tempo uma alegria secreta e surpreendente perante a perspectiva de me transformar numa penitente sincera e obter o conforto correspondente, isto é, a esperança de ser perdoada. Tão rápidos eram os meus pensamentos e tão forte e elevada a impressão que os mesmos me causavam que me julgava capaz de caminhar naquele preciso momento para a morte, livre- mente, sem temor, confiando inteiramente a minha alma de penitente nos braços imensos da misericórdia infinita.
O bom homem sentia-se também tão comovido com a influência que as suas palavras operavam em mim que abençoou Deus por o ter inspirado a visitar-me e resolveu não me abandonar até ao último momento, isto é, não deixar de me visitar.
Passaram doze dias depois da leitura da sentença sem que ordenassem a execução de qualquer das condenadas, até que, numa quarta-feira, chegou a lista da morte, como lhe chamavam, e o meu nome constava dela. Terrível golpe foi esse para as minhas recentes convicções! O coração afundou-se-me no peito e desmaiei duas vezes consecutivas, mas não disse uma palavra. O bom sacerdote ficou preocupadíssimo, fez o que pôde para me confortar com os mesmos argumentos e a mesma comovedora eloquência que antes usara e, naquela noite, esteve na minha companhia o tempo que os carcereiros lhe permitiram ficar na prisão - deixá-lo-iam permanecer a noite toda se quisesse ficar fechado comigo, mas a isso não se decidiu.
