Quanto a ser desnaturada, mal sabia ele quanta verdade encerrava o epíteto - pois que podia haver de mais antinatural do que a nossa situação?
No entanto, era evidente que não conseguira convencer o meu mari- do, que não iria comigo nem me deixaria ir sem ele, e que estava fora das minhas possibilidades dar um passo sem seu consentimento, como facilmente avalia quem conhecer a constituição do país.
Tínhamos muitas discussões acerca do assunto, discussões que começavam a tomar uma feição perigosa, pois, como perdera o afecto por meu marido (como ele se julgava), eu não tinha cobro na língua, dizia-lhe coisas que o punham fora de si e, em suma, tentava por todos os meios obrigá-lo a separar-se de mim, o que desejava acima de tudo no mundo.
Levava muito a mal o meu comportamento, e com sobejas razões, pois, por fim, recusei-me a dormir com ele e aproveitava todas as ocasiões para o provocar. A certa altura disse-me que estava louca e que, se não modificasse a minha conduta, me internaria num manicómio. Repliquei-lhe que verificaria que estava muito longe de estar louca e que não estaria na sua mão, nem na de qualquer outro tratante, assassinar-me. Confesso, no entanto, que a sua ameaça de me internar num manicómio me enchia de medo, pois destruiria, acto contínuo, todas as possibilidades de revelar a verdade, quando se apresentasse ocasião, visto que ninguém daria crédito às minhas palavras.
Resolvi, por isso, contar o que se passava, fossem quais fossem as consequências, mas, como fazê-lo e a quem, era um problema que me parecia de impossível solução e no qual levei meses a reflectir. Entretanto ocorreu outra briga com meu marido e as coisas foram tão longe que quase lhe disse tudo na cara. Mesmo assim, embora não entrasse em pormenores, disse-lhe o suficiente para o mergulhar na maior confusão.
