Pelo rio, onde a água turva e tarda nem se quebrava contra as rochas, descia, com a vela cheia, um barco lento carregado de pipas. Paraalém, outros socalcos, de um verde pálido de reseda, com oliveiras apoucadas pela amplidão dos montes, subiam até outras penedias que se embebiam, todas brancas e assoalhadas, na fina abundância do azul. Jacinto acariciava os pêlos corredios do bigode:
- O Douro, hem?... É interessante, tem grandeza. Mas agora é que eu estou com uma fome, Zé Fernandes!
- Também eu! Destapámos o cesto de D. Esteban donde surdiu um bodo grandioso, de presunto, anho, perdizes, outras viandas frias que o ouro de duas nobres garrafas de Amontillado, além de duas garrafas de Rioja, aqueciam com um calor de sol andaluz. Durante o presunto, Jacinto lamentou contritamente o seu erro. Ter deixado Tormes, um solar histórico, assim abandonado e vazio! Que delícia, por aquela manhã tão lustrosa e tépida, subir à serra, encontrar a sua casa bem apetrechada, bem civilizada... Parao animar, lembrei que com as obras do Silvério, tantos caixotes de Civilização remetidos de Paris, Tormes estaria confortável mesmo para Epicuro. Oh! mas Jacinto entendia um palácio perfeito, um 202 no deserto!... E. assim discorrendo, atacámos as perdizes. Eu desarrolhava uma garrafa de Amontillado - quando o comboio, muito sorrateiramente, penetrou numa estação. Era a Régua. E o meu Príncipe pousou logo a faca para chamar o Grilo, reclamar as malas que traziam o asseio dos nossos corpos.
- Espera, Jacinto! Temos muito tempo. O comboio pára aqui uma hora... Come com tranquilidade. Não escangalhemos este almocinho com arrumações de maletas... O Grilo não tarda a aparecer.
E corri mesmo a cortina, porque de fora um padre muito alto, com uma ponta de cigarro colada ao beiço, parara a espreitar indiscretamente o nosso festim.