Eu gritei:
- Acredita!... O Sol tremeu. E depois (como eu notei) devíamos considerar que, sobre cada um desses grãos de pó luminoso, existia uma criação, que incessantemente nasce, perece, renasce. Neste instante, outros Jacintos, outros Zés Fernandes, sentados às janelas de outras Tormes, contemplam o céu noturno, e nele um pequenininho ponto de luz, que é a nossa possante Terra por nós tanto sublimada. Não terão todos esta nossa forma, bem frágil, bem desconfortável, e (a não ser no Apolo do Vaticano, na Vénus de Milo, e talvez na princesa de Carman) singularmente feia e burlesca. Mas, horrendos ou de inefável beleza; colossais e de uma carne mais dura que o granito, ou leves como gazes e ondulando na luz, todos eles são seres pensantes e têm consciência da Vida - porque decerto cada Mundo possui o seu Descartes, ou já o nosso Descartes os percorreu a todos com o seu Método, a sua escura capa, a sua agudeza elegante, formulando a única certeza talvez certa, o grande Penso, logo existo. Portanto todos nós, Habitantes dos Mundos, as janelas dos nossos casarões, além nos ou aqui na nossa Terrícula, constantemente perfazemos um acto sacrossanto que nos penetra e nos funde - que é sentirmos no Pensamento o núcleo comum das nossas modalidades, e portanto realizarmos u m momento, dentro da Consciência, a Unidade do Universo! Hem, Jacinto?...
O meu amigo rosnou: - Talvez... Estou a cair com sono. - Também eu. «Remontámos muito, excelentíssimo senhor!» como dizia o Pestaninha em Coimbra. Mas nada mais belo, e mais vão, que uma cavaqueira, no alto das serras, a olhar para as estrelas!... Tu sempre vais amanhã?
- Com certeza, Zé Fernandes! Com a certeza de Descartes. «Penso, logo fulo! » Como queres tu, neste pardieiro, sem uma cama, sem uma poltrona, sem um livro?.