Adiante, um airoso rapaz de sobrepeliz erguia com zelo a velha cruz prateada; abrigando o pescoço sob um imenso lenço de rapé, de quadrados azuis, o velho e corcovado sacristão segurava pensativamente a caldeirinha de água benta; e o bom abade de S. José, com os dedos entre o Breviário fechado, movia os lábios, numa lenta, murmurosa reza, que ia, pelo doce ar, espalhando mais doçura. Logo atrás do último cofre, o mais pequenino, o da caveirinha pequena, Jacinto caminhava; e eu, a estalar dentro de um fato preto de Jacinto, tirado à pressa de uma das malas de Paris, quando, de manhã, já tarde para mandar a Guiães, me lembrei que toda a minha roupa era de cores festivais e pastoris.
Depois marchava o Silvério, soleníssimo, com um imenso peitilho, onde as barbas imensas se alastravam, negríssimas. De casaca, com o grosso beiço descaído, descaído todo ele por aquela melancolia de enterro que se juntava à melancolia da serra, o Grilo enfiava no braço a sua coroa, enorme, de rosas e de heras. Por fim seguia o Melchior, entre um rancho de mulheres, que,
sumidas na sombra dos lenços pretos, desfiando longos rosários, rosnavam surdas ave-marias, através de espaçados suspiros, tão doridos como se inconsoladamente lhes doesse a perda daqueles Jacintos. Assim, pelas várzeas entrecorridas de regueiros, lenta nos recostos dos matos, escorregando mais rápida pelos córregos pedregosos, seguia a procissão, sempre com a cruz adiante, alta e prateada, rebrilhando por vezes num breve raiozinho de sol que, vagarosamente, surdia da névoa desfeita. Ramos baixos de lódão ou de salgueiro passavam uma derradeira carícia sobre o veludo dos caixões.
Um regato por vezes nos acompanhava, com discreto fulgir entre as relvas, sussurrando e como rezando também, alegremente: e nos quintalinhos umbrosos, à nossa passagem, os galos, de cima das pilhas de mato, faziam soar o seu clarim festivo.