Quando eu correra a Tormes (depois das revelações do Severo na venda do Torto), ele findava o «D. Quixote», e ainda eu lhe escutara as derradeiras risadas com as coisas deliciosas, e decerto profundas, que o gordo Sancho lhe murmurava, escarranchado no seu burro. Mas agora o meu Príncipe mergulhara na «Odisseia», - e todo ele vivia no espanto e no deslumbramento de assim ter encontrado, no meio do caminho da sua vida, o velho errante, o velho Homero!
- Oh Zé Fernandes, como sucedeu que eu chegasse a esta idade sem ter lido Homero?...
- Outras leituras mais urgentes... o «Figaro», Georges Ohnet... - Tu leste a «Ilíada»? - Menino, sinceramente me gabo de nunca ter lido a «Ilíada» Os olhos do meu Príncipe fuzilavam. - Tu sabes o que fez Alcibíades, uma tarde, no Pórtico, a um sofista, um desavergonhado de um sofista, que se gabava de não ter lido a «Ilíada»?
- Não. - Ergueu a mão e atirou-lhe uma bofetada tremenda. - Paralá, Alcibíades! Olha que eu li a «Odisseia»! Oh! mas decerto eu a lera, corridamente, com a alma desatenta! E insistia em me iniciar, ele, e me conduzir, através do Livro sem igual. Eu ria. E rindo, pesado do almoço, terminava por consentir, e me estirava no canapé de verga. Ele, diante da mesa, direito na cadeira, abria o livro gravemente, pontificalmente, como um missal, e começava numa lenta ode sentida. Aquele grande mar da «Odisseia» - resplandecente e sonoro, sempre azul, todo azul, sob o voo branco das gaivotas, rolando, e, mansamente quebrando sobre a areia fina ou contra as rochas de mármore das Ilhas Divinas, - exalava, logo uma frescura salina, bem-vinda e consoladora naquela calma de junho, em que a serra se entorpecia. Depois as estupendas manhas do subtil Ulisses e os seus perigos sobre-humanos,