Essa estante rematava junto de uma janela rasgada sobre os Campos Elísios. Apartei as cortinas de veludo - e por trás descobri outra portentosa rima de volumes, todos de História Religiosa, de Exegese Religiosa, que trepavam montanhosamente até aos últimos vidros, vedando, nas manhãs mais cândidas, o ar e a luz do Senhor.
Mas depois rebrilhava, em marroquins claros, a estante amável dos Poetas. Como um repouso para o espírito esfalfado de todo aquele saber positivo, Jacinto aconchegara ali um recanto, com um divã e uma mesa de limoeiro, mais lustrosa que um fino esmalte, coberta de charutos, de cigarros do Oriente, de tabaqueiras do século XVIII. Sobre um cofre de madeira lisa pousava ainda, esquecido, um prato de damascos secos do Japão. Cedi à sedução das almofadas; trinquei um damasco, abri um volume; e senti estranhamente, ao lado, um zumbido, como de um inseto de asas harmoniosas. Sorri à ideia que fossem abelhas, compondo o seu mel naquele maciço de versos em flor. Depois percebi que o sussurro remoto e dormente vinha do cofre de mogno, de parecer tão discreto. Arredei uma Gazeta de França; e descortinei um cordão que emergia de um orifício, escavado no cofre, e rematava num funil de marfim. Com curiosidade, encostei o funil a esta minha confiada orelha, afeita à singeleza dos rumores da serra. E logo uma voz, muito mansa, mas muito decidida, aproveitando a minha curiosidade para me invadir e se apoderar do meu entendimento, sussurrou capciosamente:
- ...«E assim, pela disposição dos cubos diabólicos, eu chego a verificar os espaços hipermágicos!...»
Pulei, com um berro. - Oh Jacinto, aqui há um homem! Está aqui um homem a falar dentro de uma caixa!
O meu camarada, habituado aos prodígios, não se alvoroçou: - É o Conferençofone.