Onze e meia! Era justamente a essa hora que ela cantava, no último acto da «Revista Elétrica»... - Colou às orelhas os dois «recetores» do Teatrofone, e quedou embebido, com uma ruga séria na testa dura. De repente, num comando forte:
- É ela! Chut! Venham ouvir!... É ela! Venham todos! Princesa de Carman, para aqui! Todos! É ela! Chut...
Então, como Jacinto instalara prodigamente dois Teatrofones, cada um provido de doze fios, as senhoras, todos aqueles cavalheiros, se apressaram a acercar submissamente um «recetor» do ouvido, e a permanecer imóveis para saborear «Les Casquettes». E no salão cor-de-rosa murcho, na nave da Biblioteca, onde se espalhara um silêncio augusto, só eu fiquei desligado do Teatrofone, com as mãos nas algibeiras e ocioso.
No relógio monumental, que marcava a hora de todas as capitais e o movimento de todos os planetas, o ponteiro rendilhado adormeceu. Sobre a mudez e a imobilidade pensativa daqueles dorsos, daqueles decotes, a Eletricidade refulgia com uma tristeza de sol regelado. E de cada orelha atenta, que a mão tapava, pendia um fio negro, como uma tripa. Dornan, esboroado sobre a mesa, cerrara as pálpebras, numa meditação de monge obeso. O historiador dos duques d'Anjou, com o «recetor» na ponta delicada dos dedos, erguendo o nariz agudo e triste, gravemente cumpria um dever palaciano. Madame d'Oriol sorria, toda lânguida, como se o fio lhe murmurasse doçuras. Paradesentorpecer arrisquei um passo tímido. Mas caiu logo sobre mim um «chut» severo do grão-duque! Recuei para entre as cortinas da janela, a abrigar a minha ociosidade. O psicólogo da «Couraça», distante da mesa, com o seu comprido fio esticado, mordia o beiço num esforço de penetração. A beatitude de Sua Alteza, enterrado, numa vasta poltrona, era perfeita.