É verdade, porém, que com a contradição popular e totalmente errônea de alma e corpo nada se poderia explicar para o entendimento da relação complicada que existe entre música e drama, se conseguiria, isso sim, confundir tudo. Mas parece que é a rudeza antifilosófica daquela contradição que, justamente entre nossos estetas, se verteu, (sabe-se lá por que razões?) em muito apreciado artigo de fé, enquanto nada aprenderam acerca de uma contradição entre o fenômeno e a contradição em si, ou, por causas igualmente ignoradas, nada quiseram aprender.
Caso resultasse de nossa análise ter, por sua ilusão, o apolínico na tragédia, levado totalmente de vencida o elemento primitivo dionisíaco da música, tendo aproveitado esta para seus fins, isto é, para o supremo esclarecimento de seus fins, então seria necessário fazer uma restrição muito importante: no ponto principal quebrou-se e aniquilou-se aquela ilusão apolínica. O drama, que diante de nós se estende em clareza tão intimamente iluminada de todos os movimentos e figuras, com a ajuda da música, como se víssemos formar-se o tecido no tear — alcança, como conjunto, um efeito, que está além de todos os efeitos artísticos apolínicos. No resultado geral da tragédia alcança, novamente, o dionisíaco a supremacia; ela finda com um sonido que poderia jamais ter-se originado no reino da arte apolínica. Com isto a ilusão apolínica demonstra ser o que realmente é, a cobertura do efeito dionisíaco, propriamente dito, que se mantém durante o tempo em que dura a tragédia. Este efeito, entretanto, é tão poderoso, que impele, no final, o próprio drama apolínico a uma esfera onde principia a falar, com sabedoria dionisíaca, negando-se com clareza apolínica. Poder-se-ia, deste modo, simbolizar a relação complicada do apolínico e do dionisíaco na tragédia por uma aliança fraternal de ambas as divindades: Dionísio fala a linguagem de Apolo, Apolo a linguagem de Dionísio; com o que se conseguiu o fim mais elevado da tragédia e da arte em geral.