O Pai Goriot - Cap. 1: O PAI GORIOT Pág. 104 / 279

a nós, temos ambição, temos os Beauséant como aliados e andamos a pé, queremos fortuna e não temos um tostão, comemos os sarabulhos da mamã Vauquer e gostamos dos belos jantares do Quartier Saint-Germain, dormimos numa tarimba e queremos um hotel! Não recrimino os seus quereres. Ter ambição, meu querido, não é dado a todos. Perguntai às mulheres que homens elas procuram, os ambiciosos. Os ambiciosos têm os rins mais sólidos, o sangue mais rico em ferro, o coração mais quente do que os outros homens. E a mulher acha-se tão feliz e tão bela nas horas em que está forte, que prefere de todos os homens aquele cuja força é enorme, correndo o risco de ser quebrada por ele. Faço o inventário dos seus desejos para lhe fazer a pergunta. Esta pergunta, aqui vai ela. Temos uma fome de lobo, temos os dentinhos afiados, como faremos para alimentar o caldeirão? Temos primeiro que comer o código, não é nada engraçado, e não leva a nada, mas é preciso. Seja. Tornamo-nos advogados para sermos presidentes de um tribunal, enviar os pobres desgraçados que valem mais do que nós para os trabalhos forçados, para que os ricos possam dormir tranquilamente. Não é engraçado, e, além disso, é moroso. Primeiro dois anos a perder tempo em Paris, a olhar, sem tocar, as guloseimas que tanto gostamos. É cansativo sempre desejar sem nunca nos satisfazermos. Se fosse pálido e da natureza dos moluscos, não teria nada a temer; mas temos o sangue ardente dos leões e um apetite que nos faz cometer vinte asneiras por dia. Irá por isso sucumbir a esse suplício, o mais horrível que já avistámos no inferno do Bom Jesus. Admitamos que seja bem comportado, que beba leite e que faça elegias, será preciso, generoso como é, começar, após muitos problemas e privações capazes de tornar um cão louco, por ser o substituto de algum engraçadinho, no fundo de uma cidade qualquer onde o Governo lhe mandará mil francos de salário, como se deita uma sopa ao cão do talho.




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