Todos deviam passar sem parar na rua em frente de um cego, ouvir sem emoção o relato de um infortúnio e ver numa morte a solução de um problema de miséria que as tornava frias à mais terrível das agonias. A mais feliz destas almas desoladas era a senhora Vauquer, que reinava neste hospício aberto. Só para ela esse pequeno jardim, que o silêncio e o frio, o ar seco e a humidade tornavam vasto como a estepe, era um arvoredo risonho. Só para ela esta casa amarela e morna, que cheirava a verdete, tinha delícias. Esses forçados pertenciam-lhe. Alimentava esses condenados adquiridos com enormes dificuldades, exercendo sobre eles uma autoridade respeitada. Onde poderiam estes pobres seres ter achado em Paris, ao preço que ela oferecia, alimentos saudáveis, em quantidade suficiente, e um apartamento que podiam entregar quando quisessem, se não elegante ou confortável, pelo menos limpo e saudável? Se fosse permitida uma injustiça gritante, a vítima tê-la-ia suportado sem se queixar.
Tal reunião devia oferecer e oferecia em ponto pequeno os elementos de uma sociedade completa. Por entre os dezoito convivas encontrava-se, tal como nos colégios, como no mundo, uma pobre criatura rejeitada, um bode expiatório sobre quem caíam os escárnios. No início do segundo ano, esta figura tornou-se para Eugene de Rastignac a mais evidente de todas aquelas que pertenciam ao meio onde estava condenado a viver ainda por mais dois anos. Este pobre homem era o antigo fabricante de aletria, o pai Goriot, na cabeça do qual um pintor teria, tal como o historiador, feito cair toda a luz do quadro. Por que razão este desprezo meio odioso, esta perseguição misturada com piedade, esta falta de respeito da desgraça tinham tocado o mais antigo pensionista? Tê-lo-ia provocado através de uma dessas ridicularizardes ou estranhezas que se perdoa menos do que os vícios? Estas questões muito revelam das injustiças sociais.
