O Pai Goriot - Cap. 1: O PAI GORIOT Pág. 204 / 279

- Jantemos - gritou o pintor.

Nesse momento todos pegaram numa cadeira e sentaram-se.

- Ora esta - disse a gorda Sylvie -, tudo é desgraça hoje, o meu feijão com carneiro está queimado. Bah! Irão comê-lo assim, há pior!

A senhora Vauquer não teve a coragem de dizer uma só palavra ao ver dez pessoas em vez de dezoito à volta da mesa, mas todos tentaram consolá-la e animá-la. Se inicialmente os externos falaram de Vautrin e dos acontecimentos do dia, obedeceram depressa ao aspecto divagador da conversa habitual e puseram-se a falar de duelos, da prisão, da justiça, das leis a refazer, dos trabalhos forçados. Depois, já estavam a mil léguas de Jacques Collin, de Victorine e do irmão. Apesar de só serem dez, gritaram como vinte, e pareciam ser mais numerosos do que de costume; foi a única diferença que houve entre este jantar e o da véspera. A despreocupação habitual desse mundo egoísta que, no dia seguinte, devia ter nos acontecimentos quotidianos de Paris uma outra presa para devorar, voltou ao de cima, e a própria senhora Vauquer se deixou acalmar pela esperança, que a voz da gorda Sylvie transmitia.

Este dia devia ser até à noite uma fantasmagoria para Eugène, que, apesar da força de carácter que tinha e da bondade de espírito, não sabia como classificar as suas ideias, quando se encontrou no fiacre ao lado do pai Goriot cujos discursos traíam uma alegria inabitual e vibravam nos ouvidos, após tantas emoções, como as palavras que ouvimos nos sonhos.

- Está tudo pronto desde hoje de manhã. Jantamos os três juntos!

Está a perceber? Há quatro anos que não janto com a minha Delphine, a minha pequena Delphine. Vou tê-la só para mim durante um serão inteiro. Estamos na 'sua casa desde esta manhã. Trabalhei como um mouro, de mangas arregaçadas.





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