O Pai Goriot - Cap. 1: O PAI GORIOT Pág. 260 / 279

E tinham todas as atenções para comigo, mas era por causa do meu dinheiro. O mundo não é belo. Vi isso, eu! Passeavam-me de carro aos espectáculos e ficava como queria nos serões. Enfim, elas diziam-se minhas filhas e reconheciam-me como pai. Ainda sei ver, vá, e nada me escapou. Tudo estava certo e atravessou-me o coração. Via bem que eram fingimentos, mas o mal estava sem remédio. Não estava na casa delas tão à vontade quanto na mesa de lá de baixo. Não sabia dizer nada. Por isso quando algumas dessas pessoas do mundo perguntavam ao ouvido dos meus genros: «Quem é esse senhor ali? É o pai dos ecus, é rico. Ah! Que diabo!», diziam e olhavam-me com respeito devido ao dinheiro. Mas se por vezes os incomodava, comprava bem os meus defeitos! Além disso, quem é perfeito? (A minha cabeça é uma ferida aberta!) Sofro neste momento o que se tem de sofrer para morrer, meu querido senhor Eugène, pois bem! Não é nada comparado com a dor que me causou o primeiro olhar com o qual Anastasie me fez compreender que acabava de dizer uma burrice que a humilhava, o olhar dela abriu-me todas as veias. Teria querido saber tudo, mas o que muito bem compreendi era que estava a mais na terra. No dia seguinte fui a casa da Delphine para me consolar, e eis que lá faço uma burrice que a pôs mal disposta, fiquei como doido. Estive oito dias sem saber o que fazer. Não ousei ir vê-las, com medo das reprimendas delas. E aqui estou posto à porta da casa das minhas filhas. Oh, meu Deus! Possas tu conhecer as misérias, os sofrimentos que passei, visto que contaste as punhadelas que recebi, neste tempo que me envelheceu, mudou, matou, porque me fazes tu sofrer hoje? Já expiei bem o pecado de as amar demasiado. Elas vingaram-se bem do meu afecto, torturam-me como carrascos.




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