Por grande que seja a minha modéstia natural, nunca me inferiorizarei a ponto de buscar para a imaginação qualquer espécie de apoio nessas invenções mentirosas, presentes em todas as épocas e que, só por si, já bastam para encher de uma amargura incomparável todos os que têm algum amor à espécie humana. Quanto ao efeito do sobrenatural como choque na sensibilidade ou no espírito de um homem banal, trata-se de um tema de análise e estudo absolutamente legítimo. A constituição moral do senhor Burns sofre um embate violento na sequência das suas relações pessoais com o seu antigo capitão, e esse embate, quando Burns adoece, transforma-se em pura fantasia supersticiosa, numa mescla de animosidade e de medo. Tal facto compõe um dos elementos da história, mas nele nada há de sobrenatural, nada que, por assim dizer, transborde dos limites finais deste mundo, mundo que, para toda a consciência, encerra dentro de si próprio suficiente enigma e suficiente pavor.
É provável que, se eu tivesse publicado esta história, que há muito trazia no espírito, com o título de Primeiro Comando, nenhuma sugestão de sobrenatural fosse nela descoberta pelo leitor sóbrio, pelo crítico, ou por quem quer que fosse. Não tratarei aqui da fonte do estado de espírito em que o título real, Linha de Sombra, me ocorreu. Em primeiro lugar, o alvo que eu tinha em mira com esta obra consiste na apresentação de certos acontecimentos que, sem dúvida, se ligam à passagem de idade de uma juventude despreocupada e impetuosa, para a fase mais consciente de si própria e também mais estimulante da maturidade. Ninguém pode pôr em dúvida como, depois da provação extrema a que toda uma geração se viu submetida, senti agudamente a impressão da qualidade reduzida e pouco significativa da minha pouco esplendorosa experiência pessoal.
