IV Com o ferro levantado e envergando o pano até aos galopes dos mastros, o meu barco parecia tão quieto como um modelo poisado nas manchas de sombra e os reflexos luminosos de uma superfície polida de mármore. Era completamente impossível distinguir a terra do mar no sossego inquietante das imensas forças deste mundo. Fui dominado por uma súbita impaciência.
«Não dá nada pelo leme?», disse eu, num tom irritado, para o homem cujas mãos, robustas e tisnadas, seguravam as malaguetas da roda do leme e sobressaíam, iluminadas no escuro, como um sinal de direito da espécie humana a ser senhora do próprio destino.
Ele respondeu-me:
«Dá, sim senhor. Está a orçar devagar.»
«Deixa-mo orçar até o navio ficar com proa do sul.» «Sim senhor,»
Entretanto, eu ia passeando pelo tombadilho.
Não se ouvia o menor som, para além do ruído dos meus passos, até que de novo o homem do leme falou. «Já está em proa do sul, comandante.»
Senti a caixa torácica um pouco apertada antes de soltar pela primeira vez o rumo do primeiro navio sob o meu comando, no silêncio daquela noite, carregada de gotas de humidade e brilhante de estrelas. Havia um sentido naquele acto que me ligava a uma vigilância ininterrupta ao longo da minha ocupação solitária.
«Aguenta a guinada. Assim!», disse eu finalmente. «o rumo é sul direito.»
«Sul direito», repetiu o homem do leme, num eco. Ordenei ao segundo piloto e a todo o seu quarto que recolhesse, e fiquei ao catavento, andando pelo tombadilho, durante as horas frias e sonolentas antes do nascer do dia.
Leves sopros de aragem levantavam-se e morriam, e quando eram suficientemente fortes para que o navio abrisse a sua esteira na escuridão das águas, o sussurrar do mar ao longo do costado atravessava-me o mais profundo do coração num prazer crescente e delicado, que em breve desfalecia.