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Do outro lado da casa de jantar, a porta em frente abriu-se então de súbito, para minha grande surpresa. Tratava-se da porta onde estava escrita a palavra «Despenseiro», e era o despenseiro em carne e osso que vinha a sair em corrida da sua mefítica caverna de filisteu, como se fosse um animal absurdamente perseguido, escapando-se em direcção à porta do quintal.
Até hoje ainda não fui capaz de descobrir o que me terá naquela altura feito chamá-lo: «Olhe aqui! Espere um momento!». Talvez tenha sido por causa do olhar de esguelha que ele me atirara; ou é possível que me encontrasse ainda sob a influência do zelo enigmático do capitão. Bom, foi não sei que impulso, um efeito dessa força que reside algures, no interior da nossa vida, e que acabará por a modelar desta ou daquela forma. Porque se as minhas palavras não me tivessem saído dos lábios naquele instante (e a minha vontade nada teve a ver com aquilo) toda a minha existência teria sido, sem dúvida, igualmente a de um homem do mar, mas segundo linhas de orientação que se tornaram, hoje, para mim, impossíveis de imaginar.
Não. A minha vontade nada teve a ver com aquilo. O certo é que, mal soltei aqueles sons fatais, me senti extremamente aborrecido com isso. Se o despenseiro tivesse então parado e se voltasse para mim, eu ter-me-ia visto forçado a. retirar desordenadamente. Porque não tinha a mínima intenção de proceder à brincadeira idiota que o capitão Giles me aconselhara, para se rir ou à minha custa ou à do despenseiro.
Mas naquele momento entrou em jogo o antigo instinto humano de prosseguir. O tipo fingira-se surdo, e eu, sem pensar nem por um instante em que caso me estaria a meter, lancei-me ao longo da mesa para lhe cortar a passagem Junto a porta.
