A Linha de Sombra - Cap. 2: I Pág. 35 / 155

Assim terminou para mim o incidente. Mas o capitão Giles, com o olhar preso ao lugar onde estivera o despenseiro, começou a mexer na sumptuosa corrente de ouro até o relógio lhe sair da algibeira profunda como a verdade mais densa do fundo de um poço. Depois, voltou a recolher o relógio com a maior solenidade, dizendo apenas:

«São três em ponto. Você ainda pode chegar a horas... - isto é, se aproveitar bem o tempo.»

«Chegar a tempo para quê?», perguntei-lhe eu. «Valha-nos Nosso Senhor Jesus Cristo! Mas à capitania do porto! Temos que ir até ao fim deste caso.»

Para se dizerem as coisas com toda a naturalidade, ele tinha razão. Mas as investigações nunca se contaram entre as minhas preferências, o desmascarar as pessoas e assim por diante, trabalhos sem dúvida meritórios do ponto de vista moral. O meu parecer era que aquele incidente era de ordem puramente ética. E se alguém tinha que o arrumar com o despenseiro, não via porque não havia de ser o próprio capitão Giles a fazê-lo, já que era um homem de idade respeitável, de boa posição, e gozando de residência certa e permanente. Enquanto que eu, por contraposição, não podia sentir-me senão como uma ave de passagem naquele porto. Poderia até dizer-se realmente que já quebrara com aquilo todas as minhas ligações. Murmurei que não pensava que... - que nada daquilo era comigo...

«Nada feito!», repetiu o capitão, manifestando uma indignação silenciosa, mas resoluta. «O capitão Kent avisou-me de que o senhor era um jovem muito particular. Há--de fazer o favor de dizer-me, logo que lhe seja possível, como é que o lugar de comando de um navio nada significa para si... - para mais depois de toda a carga de trabalhos que isto já me deu.»

«Trabalhos?», murmurei sem perceber nada.





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