Prometeu-lho D. Quixote em nome de todos; com esta segurança começou assim:
— O meu nome é Cardênio; minha terra uma das melhores cidades desta Andaluzia; minha linhagem, nobre; meus pais, ricos; e a minha desventura tanta, que muito a devem ter chorado os meus progenitores, e sentido toda a minha parentela, por não a poderem aliviar com toda a sua riqueza. Para desditas que do céu vêm talhadas pouco aproveitam de ordinário os remédios do mundo. Vivia nesta mesma terra uma criatura celeste, em quem se reunia tudo que eu mais pudera ambicionar; tal é a formosura de Lucinda, donzela não menos nobre e rica do que eu, porém mais do que eu venturosa e menos constante do que o devera ser para com os meus honrados pensamentos. Amei-a, quis-lhe e adorei-a desde a minha idade mais tenra; e ela igualmente a mim, com aquela candura e bom ânimo que bem assentavam em idade tão verde. Sabiam nossos pais as nossas inclinações, e não no-las levavam a mal, que bem viam que, ainda que elas passassem a mais, não poderiam ter outro intuito e desfecho senão o casamento, coisa mui bem cabida onde o sangue e os haveres de parte a parte se irmanavam. Com os anos foi-nos entre ambos crescendo o amor. Pareceu ao pai de Lucinda ser cautela de boa prudência negar-me a frequência de sua casa, imitando nisto pouco mais ou menos os pais daquela Tisbe tão decantada dos poetas. Com estes resguardos mais se ateou em nós o fogo dos desejos, porque, se às línguas nos puseram embargos, não no-los puderam pôr à correspondência escrita. A pena é ainda mais livre que a fala para bem expressar mistérios do coração; muitas vezes a presença do objeto amado perturba e deixa a determinação mais decidida, e a voz mais resoluta. Ai céus! que de bilhetes lhe não