O cavaleiro do Bosque, ouvindo falar assim o da Triste Figura, não fazia senão mirá-lo, remirá-lo e torná-lo a mirar de cima a baixo; e, depois de o mirar quanto quis, disse-lhe:
— Se têm coisa de comer que me dêem, dêem-na por amor de Deus, que, depois de ter comido, eu farei quanto se me ordenar por agradecido a tão bons desejos como aqui se me tem mostrado.
Para logo tiraram, Sancho, do costal, e o cabreiro, do surrão, com que se fartar a fome do Roto, comendo este o que lhe deram como pessoa estonteada, e tanto à pressa, que os bocados não esperavam uns pelos outros, pois antes os engulia que tragava; e enquanto comia, nem ele nem os que o observavam proferiam palavra.
Acabada a comida, fez sinal para que o seguissem, e os levou trás de si a um verde pradozinho, que à volta de uma penha ficava muito perto dali. Estendeu-se no chão por cima da erva, no que os mais o imitaram, sem que ninguém abrisse boca. O Roto, depois de posto a seu cômodo, começou assim:
— Se quereis, senhores, que vos diga em resumo as minhas imensas desventuras, haveis de me prometer primeiro não me interromper com pergunta alguma, nem outra qualquer coisa, o fio da minha triste história, porque, no mesmo instante em que mo quebreis, corto logo o que estiver contando.
(Esta recomendação do esfarrapado trouxe à lembrança de D. Quixote o conto do seu escudeiro, quando ele não atinou com o número das cabras que tinham passado o rio, com o que a história deu em seco).
Tornemo-nos ao esfarrapado, que prosseguiu dizendo:
— Esta prevenção vos faço, porque desejo saltar depressa pela narrativa das minhas desgraças, que o recordá-las não serve senão para se lhes juntarem outras. Quanto menos me perguntardes, mais depressa acabarei eu de referi-las; contudo não deixarei no escuro coisa alguma de importância, para não frustrar o vosso empenho.