Capítulo 29: LIVRO QUARTO / CAPÍTULO XXVIII - Que trata da nova e agradável aventura sucedida na mesma serra ao cura e ao barbeiro.
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Tudo isto era público e notório. Ninguém falava doutra coisa, e mais vieram a falar ainda, quando se espalhou que Lucinda tinha desaparecido da casa paterna e da povoação, pois em parte nenhuma deram com ela, coisa de que seus pais andavam loucos, sem saberem que fizessem para a recobrarem. Estas novas que recebi afugentaram de todo as minhas esperanças, e tive por melhor o não haver achado a D. Fernando, que se o achasse casado, por me parecer que assim não era de todo impossível a minha reparação. Chegou-se-me a figurar que talvez o céu tivesse posto aquele impedimento ao segundo matrimônio, para lhe dar ocasião de conhecer o que ao primeiro devia, e a cair na conta de que era cristão, e que mais devia à sua alma que aos respeitos humanos. Tudo isto revolvia eu na fantasia, supondo em vão consolar-me com umas esperanças remotas e desmaiadas para alimento da vida que já aborreço. Ora conservando-me eu ainda na cidade sem saber que fizesse, pois não achava a D. Fernando, chegou aos meus ouvidos um pregão público, prometendo um grande prêmio a quem me achasse, dando os sinais da minha idade e do meu trajar; e ouvi que se dizia ter-me tirado de casa de meus pais o moço que me acompanhara, coisa que me feriu no íntimo, por ver quão decaído me andava já o crédito. Não bastava a minha fuga, faltava-me para raptor um homem tão baixo e tão pouco merecedor das minhas atenções. Logo que tal pregão ouvi, pus-me fora da cidade com o meu servo, que já principiava a dar mostras de titubear na lealdade prometida, e nessa mesma noite entramos pela espessura deste monte para não sermos achados. Mas bem dizem que um mal nunca vem só, e que o fim de uma desgraça é princípio de outra maior. Assim me sucedeu a mim, porque o bom do meu criado,
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