E isto é bastante evidente pelo fato de os próprios filósofos terem por máxima, nas escolas, que nada existe no entendimento que não haja estado primeiramente nos sentidos, onde, contudo, é certo que as ideias de Deus e da alma nunca estiveram. E me parece que todos aqueles que querem usar a imaginação para compreendê-las se comportam da mesma maneira que se, para ouvir os sons ou sentir os odores, quisessem utilizar-se dos olhos; salvo com esta diferença: que o sentido da visão não nos assegura menos a verdade de seus objetos do que os do olfato ou da audição; enquanto a nossa imaginação ou os nossos sentidos jamais poderiam garantir-nos coisa alguma, se o nosso juízo não interviesse.
Afinal, se ainda há homens que não estejam totalmente convencidos da existência de Deus e da alma, com as razões que apresentei, quero que saibam que todas as outras coisas, a respeito das quais se consideram talvez certificados, como a de possuírem um corpo, existirem astros e a Terra, e coisas parecidas, são ainda menos certas. Pois, apesar de se ter dessas coisas uma certeza moral, que é de tal ordem que, salvo sendo-se extravagante, parece impossível colocá-la em dúvida; contudo, ao que concerne à certeza metafísica, não se pode negar, a não ser que não tenhamos bom senso, que é motivo suficiente para não possuirmos total segurança a respeito, o fato de observarmos que podemos da mesma maneira imaginar, ao estarmos dormindo, que temos outro corpo, que vemos outros astros e outra Terra, sem que isso seja verdade.