Pois, de onde sabemos que os pensamentos que nos surgem em sonhos são menos verdadeiros do que os outros, se muitos, com frequência, não são menos vivos e nítidos? E, mesmo que os melhores espíritos estudem o caso tanto quanto lhes agradar, não acredito que possam oferecer alguma razão que seja suficiente para dirimir essa dúvida, se não presumirem a existência de Deus. Pois, em princípio, aquilo mesmo que há pouco tomei como regra, ou seja, que as coisas que concebemos bastante evidente e distintamente são todas verdadeiras, não é correto a não ser porque Deus é ou existe, e é um ser perfeito, e porque tudo o que existe em nós se origina dele. De onde se conclui que as nossas ideias ou noções, por serem coisas reais e oriundas de Deus em tudo em que são evidentes e distintas, só podem por isso ser verdadeiras. De maneira que, se temos muitas vezes outras que contêm falsidade, só podem ser as que possuem algo de confuso e obscuro, porque nisso participam do nada, ou seja, são assim confusas em nós porque nós não somos totalmente perfeitos. E é evidente que não causa menos aversão admitir que a falsidade ou a imperfeição se originam de Deus, como tal, do que admitir que a verdade ou a perfeição se originem do nada. Porém, se não soubéssemos de maneira alguma que tudo quanto existe em nós de real e verdadeiro provém de um ser perfeito e infinito, por claras e distintas que fossem nossas ideias, não teríamos razão alguma que nos garantisse que elas possuem a perfeição de serem verdadeiras.
Depois que o conhecimento de Deus e da alma nos tenha dado a certeza dessa regra, é muito fácil compreender que os sonhos que imaginamos quando dormimos não devem, de forma alguma, levar-nos a duvidar da verdade dos pensamentos que nos ocorrem quando despertos.