O Discurso do Método - Cap. 5: Capítulo 5 Pág. 48 / 71

Depois, também se sabe daí que a real utilidade da respiração é levar bastante ar fresco aos pulmões, a fim de fazer com que o sangue, que para aí se dirige vindo da concavidade direita do coração, onde foi diluído e como transmudado em vapores, se adense e se transforme novamente, antes de recair na concavidade esquerda, sem o que não seria apropriado para servir de alimento ao fogo aí existente. O que está de acordo, porquanto os animais que não possuem pulmões não são providos de mais do que uma concavidade no coração, e as crianças, que não podem utilizá-los por se encontrarem fechadas no ventre de suas mães, apresentam uma abertura por onde corre o sangue da veia cava em direção à concavidade esquerda do coração e um conduto por onde ele provém da veia arteriosa para a grande artéria, sem passar pelos pulmões. Depois a digestão: como ela se processaria no estômago se o coração não lhe enviasse calor pelas artérias, e, com esse, alguns dos elementos mais fluidos do sangue, que ajudam a dissolver os alimentos que foram para ali levados? E a ação que transformou o suco desses alimentos em sangue, não será ela fácil de conhecer, se se considera que este se destila, passando e repassando pelo coração, talvez mais de cem ou duzentas vezes por dia? E de que mais se precisa para explicar a nutrição e a produção dos vários humores que há no corpo, salvo afirmar que a força com que o sangue, ao rarefazer-se, passa do coração para as extremidades das artérias leva alguns de seus elementos a se deterem entre os dos membros onde se encontram e a tomarem aí o lugar de alguns outros que elas expulsam; e que, de acordo com a situação, ou com a configuração, ou com a pequenez dos poros que encontram, alguns vão ter a certos lugares mais do que outros, de igual maneira como cada um pode ter visto várias peneiras que, sendo diferentemente perfuradas, servem para separar diversos grãos uns dos outros?




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