O Discurso do Método - Cap. 5: Capítulo 5 Pág. 47 / 71

Mas existem numerosas outras coisas que comprovam que a verdadeira causa desse movimento do sangue é a que eu apresentei. Assim, em primeiro lugar, a diferença que se percebe entre o sangue que sai das veias e o que sai das artérias só pode se originar do fato de que, havendo-se diluído e como destilado ao passar pelo coração, é mais fino, mais vivo e mais quente logo após sair dele, ou seja, quando corre nas artérias, do que o é um pouco antes de nele penetrar, isto é, quando corre nas veias. E, se se prestar atenção, verifica-se que tal diferença só aparece realmente na direção do coração e de forma alguma nos lugares que dele são mais distantes. Depois, a rigidez das peles, de que a veia arteriosa e a grande artéria se compõem, mostra satisfatoriamente que o sangue bate contra elas com mais força do que contra as veias. E por que seriam a concavidade esquerda do coração e a grande artéria maiores e mais largas do que a concavidade direita e a veia arteriosa, se não fosse porque o sangue da artéria venosa, tendo estado apenas nos pulmões depois de passar pelo coração, é mais fino e se dilui mais facilmente do que aquele que procede imediatamente da veia cava? E o que podem os médicos descobrir, ao tatear o pulso, se não sabem que, conforme o sangue muda de natureza, pode ser diluído pelo calor do coração mais ou menos forte e mais ou menos rápido do que antes? E, se se examina de que maneira esse calor se transfere aos outros membros, não convém confessar que é por meio do sangue que, ao passar pelo coração, nele se aquece e daí se espalha por todo o corpo? Daí decorre que, se se retira o sangue de alguma parte, retira-se-lhe da mesma forma o calor; e, mesmo que o coração fosse tão ardente quanto um ferro em brasa, não bastaria, como não basta, para aquecer os pés e as mãos, se não lhes enviasse ininterruptamente novo sangue.




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