»Como disse, meus senhores, sou mulher deste homem. Ele tinha cinquenta anos e eu era uma rapariga tonta de vinte anos quando casámos. Foi numa cidade da Rússia, numa universidade... não direi onde.
- Deus te abençoe, Anna! - murmurou novamente o velho.
- Éramos reformistas... revolucionários... niilistas, entende. Ele, eu e muitos mais. Surgiram tempos conturbados, um oficial da polícia foi morto, muita gente foi presa; procuravam provas e, para salvar a sua própria vida e ganhar uma enorme recompensa, o meu marido traiu a sua própria mulher e os seus companheiros. Sim, fomos todos presos depois da sua denúncia. Alguns foram enforcados e outros mandados para a Sibéria. Eu estava entre os últimos, mas não fui condenada a prisão perpétua. O meu marido veio para Inglaterra com os proventos da sua traição e tem vivido em reclusão, pois sabia que, se a Irmandade o descobrisse, em menos de uma semana seria feita justiça.
O velho estendeu a mão a tremer e acendeu um cigarro.
- Estou nas tuas mãos, Anna - disse. - Foste sempre boa para mim.
- Ainda não vos contei a que extremo chegou a sua velhacaria - continuou ela. - Entre os camaradas da Ordem, havia um grande amigo meu. Era um homem nobre, altruísta, terno... tudo o que o meu marido não era. Odiava a violência. Nós éramos todos culpados... se é que se pode falar em culpados... mas ele não era. Escrevia-nos insistentemente, dissuadindo-nos da nossa via de acção.