O Cortiço - Cap. 19: Capítulo 19 Pág. 196 / 239

Daí a dias, com efeito, a estalagem metia-se em obras. À desordem do desentulho do incêndio sucedia a do trabalho dos pedreiros; martelava-se ali de pela manhã até à noite, o que aliás não impedia que as lavadeiras continuassem a bater roupa e as engomadeiras reunissem ao barulho das ferramentas o choroso falsete das suas eternas cantigas.

Os que ficaram sem casa foram aboletados a trouxe e mouxe por todos os cantos, à espera dos novos cômodos. Ninguém se mudou para o "Cabeça-de-Gato".

As obras principiaram pelo lado esquerdo do cortiço, o lado do Miranda; os antigos moradores tinham preferência e vantagens nos preços. Um dos italianos feridos morreu na Misericórdia e o outro, também lá, continuava ainda em risco de vida. Bruno recolhera-se à Ordem de que era irmão, e Leocádia, que não quis atender àquela carta escrita por Pombinha, resolveu-se a ir visitar o seu homem no hospital. Que alegrão para o infeliz a volta da mulher, aquela mulher levada dos diabos, mas de carne dura, a quem ele, apesar de tudo, queria muito. Com a visita reconciliaram-se, chorando ambos, e Leocádia decidiu tornar para o São Romão e viver de novo com o marido. Agora fazia-se muito séria e ameaçava com pancada a quem lhe propunha brejeirices.

Piedade, essa e que se levantou das febres completamente transformada. Não parecia a mesma depois do abandono de Jerônimo; emagrecera em extremo, perdera as cores do rosto, ficara feia, triste e resmungona; mas não se queixava, e ninguém lhe ouvia falar no nome do esposo.

Esses meses, durante as obras, foram uma época especial para a estalagem. O cortiço não dava ideia do seu antigo caráter, tão acentuado e, no entanto, tão misto: aquilo agora parecia uma grande oficina improvisada, um arsenal, em cujo fragor a gente só se entende por sinais. As lavadeiras fugiram para o capinzal dos fundos, porque o pó da terra e da madeira sujava-lhes a roupa lavada. Mas, dentro de pouco tempo, estava tudo pronto; e, com imenso pasmo, viram que a venda, a sebosa bodega, onde João Romão se fez gente, ia também entrar em obras.





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