Amor de Perdição - Cap. 4: Capítulo 4 Pág. 17 / 145

Numa dessas conversações, Rita descuidara-se, e levantou de modo a voz que foi ouvida duma irmã, que a foi logo acusar ao pai. O corregedor chamou Rita, e forçou-a pelo terror a contar tudo que ouvira à vizinha. Tanta foi sua cólera, que sem atender às razões da esposa, que viera espavorida dos gritos dele, correu ao quarto de Simão, e viu ainda Teresa à janela.

– Olé! – disse ele à pálida menina. – Não tenha a confiança de pôr os olhos em pessoa de minha casa. Se quer casar, case com um sapateiro, que é um digno genro de seu pai.

Teresa não ouviu o remate da brutal apóstrofe: tinha fugido aturdida e envergonhada. Porém, como o desabrido ministro ficasse bramindo no quarto, e Tadeu de Albuquerque saísse a uma janela, a cólera do doutor redobrou, e a torrente das injúrias, longo tempo represada, bateu no rosto do vizinho, que não ousou replicar-lhe.

Tadeu interrogou sua filha, e acreditou que foi causa à sanha de Domingos Botelho estarem as duas meninas praticando inocentemente, por trejeitos, em coisas de sua idade. Desculpou o velho a criancice de Teresa, admoestando-a que não voltasse àquela janela.

Esta mansidão do fidalgo, cujo natural era bravio, tem a sua explicação no projecto de casar em breve a filha com seu primo Baltasar Coutinho, de Castro Daire, senhor de casa, e igualmente nobre da mesma prosápia. Cuidava o velho, presunçoso conhecedor do coração das mulheres, que a brandura seria o mais seguro expediente para levar a filha ao esquecimento daquele pueril amor a Simão. Era máxima sua que o amor, aos quinze anos, carece de consistência para sobreviver a uma ausência de seis meses. Não pensava errado o fidalgo, mas o erro existia. As excepções têm sido

o ludíbrio dos mais assisados pensadores, tanto no especulativo como no experimental. Não era muito que Tadeu de Albuquerque fosse enganado em coisas de amor e coração de mulher, cujas variantes são tantas e tão caprichosas, que eu não sei se alguma máxima pode ser-nos guia, a não ser esta: «Em cada mulher, quatro mulheres incompreensíveis, pensando alternadamente como se hão-de desmentir umas às outras.»





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