O corregedor, nesse mesmo dia, ordenou que se preparassem mulher e filhas para no dia imediato saírem de Viseu com tudo que pudesse ser transportado em cavalgaduras.
Vou descrever a singela e dorida reminiscência duma senhora daquela família, como a tenho em carta recebida há meses:
«Já lá vão cinquenta e sete anos, e ainda me lembro, como se fossem ontem passados, os tristes acontecimentos da minha mocidade. Não sei como é que tenho hoje mais clara a memória das coisas da infância. Parece-me que, há trinta anos, me não lembravam com tantas circunstâncias e pormenores.
Quando a mãe disse a mim e a minhas irmãs que preparássemos os nossos baús, rompemos todas num choro, que irritou a ira do pai. As manas, como mais velhas ou mais afeitas ao castigo, calaram-se logo: eu, porém, que só uma vez e unicamente por causa de Simão tinha sido castigada, continuei a chorar, e tive o inocente valor de pedir ao pai que me deixasse ir ver o mano à cadeia antes de sairmos de Viseu.
Então fui castigada pela segunda vez, e asperamente.
O criado, que levou o jantar à cadeia, voltou com ele e contou-nos que Simão já tinha alguns móveis no seu quarto, e estava jantando com exterior sossegado. Àquela hora todos os sinos de Viseu estavam dobrando a finados por alma de Baltasar.
Ao pé dele disse o criado que estava uma formosa rapariga da aldeia, triste e coberta de lágrimas. Apontando-a ao criado que a observava, disse Simão: – A minha família é esta.
No dia seguinte, ao romper da manhã, partimos para Vila Real. A mãe chorava sempre; o pai, encolerizado por isso, saiu da liteira em que vinha com ela, fez que eu passasse para o seu lugar, e fez toda a jornada na minha cavalgadura.
Logo que chegámos a Vila Real, eram tão frequentes as desordens em casa, à conta do Simão, que meu pai abandonou a família, e foi sozinho para a quinta de Montezelos. A mãe quis também abandonar-nos e ir para os primos de Lisboa, a fim de solicitar o livramento do mano.